Como funciona um aquecedor solar?


Era a tarde de uma segunda-feira quando fui parar naquele prédio. A impressão que tive foi a de desolação, esquecimento. Suas paredes estavam perdendo o tom para a ação do tempo, e no chão, aqui e acolá, folhas e mais folhas ressecadas de cajueiros. Dos seus corredores, que pareciam desertos, podia-se ouvir vozes misteriosas em murmúrios. A solidão parecia reinar absoluta e as pessoas que passavam por mim eram como vultos de espíritos num sonho angustiante. Estranho, muito estranho. Mas eu fui lá, onde nunca tinha ido, com um objetivo certo: conseguir informações, notícias ‘diferentes’ para o boletim da Universidade.

Notícias, novidades. Como sair por aí ‘caçando-as’ como se realmente elas fossem aparecer? E logo me ocorreu um pressentimento: naquela hora, naquele local, eu não encontraria nada do que queria. Mas dei sorte. Reconheci, dentre aqueles vultos de pessoas, uma antiga colega de infância e a questionei sobre pesquisas e eventos do seu curso. Ela, com um ar desanimado, afirmou não saber de nada e me apontou para a sala de uma professora. “Pergunte lá”, disse. Foi o que fiz. De resposta, recebi um “tudo aqui já foi noticiado”, o que concretizou de vez o pressentimento. Então, caminhando lentamente, prestes a sair daquele local, eis que tenho uma visão: quatro homens, com semblantes tristes, conversando discretamente ao lado de uma sala.

Olhei uma, duas, parei para observar aquela cena e pensei: estariam mesmo tristes? Qual seria o motivo? Vou até lá ou não? Decidi ir. E fui devagar até me deparar com aqueles olhares tão perdidos e desolados. Teria eu o direito de perguntar o motivo da tristeza ou mesmo de fazer perguntas sobre novidades e notícias? Senti que não, mas já era tarde para fugir.

Depois de me apresentar e deixar claro o meu objetivo, um deles tomou a palavra e apontou para um objeto construído com garrafas pet que estava bem ao nosso lado. “Isso é um aquecedor solar”, explicou, acrescentando que ele tem a mesma função dos aquecedores convencionais, feitos de metal. “Mas como funciona esse aquecedor solar?”, perguntei, já preparada para anotar a explicação que daria uma boa matéria. Nesse momento, um jovem  que também tinha uma expressão tristonha se aproximou, puxou uma cadeira e se uniu ao grupo. Instantes depois, mais uma pessoa com o mesmo ar de.. seria luto? Senti que eles lamentavam a perda de uma pessoa querida e não insisti na pergunta. Fiquei na minha, calada, só ouvindo e observando com um misto de embaraço e curiosidade. Mas a certeza só tive quando ouvi: “Não dá pra entender. Ele era um cara vivo, alegre”; “era muito respeitado pelos alunos”; “ninguém nunca falou mal dele”.

Aceitar a cadeira para me sentar com eles poderia ser um ato de intromissão, mas foi a única coisa que consegui fazer quando percebi o que estava se passando. Sentada ali, descobri um motivo de superstição para a sensação de tristeza que aquele prédio emanava. Minutos de silêncio eram cortados por palavras de inconformidade, admiração, dor e angústia pela partida abrupta do professor Luciano Bet. Como é que um homem tão querido, competente e admirado comete um ato desses? Essa foi a pergunta que pairou no ar e tão naturalmente se dissipou em meio aos ventos do mistério íntimo e insondável que é desaparecer por conta própria.

Imersa nessa situação, logo me veio à mente as últimas palavras de um personagem de um livro que tem intrigado há décadas os seus leitores: “O Horror! O horror!”. E quem decifraria, quem ousaria explicar o que realmente significa o sofrimento ou desespero de alguém? Diante de um fato desses, a única certeza que fica é do quão lancinante é a dor da impotência e incompreensão: “Perdemos um cara fantástico. Hoje não podemos fazer nada, só rezar”.

Ocorrido em 2007, época em que fui estagiária da Agecom- UFRN.

Comentários

  1. Olá, cheguei a Maktub e gostei da intenção, do caminho das palavras, o traçado do começo .Tá no sangue . Valeu garota. Volto. Abraços poéticos.

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  2. Ana, é mesmo incrível essa história dos genes, né! E você é um grandessíssimo exemplo. Mt obrigada pela visita e pelo comentário. Bj

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  3. Eita, escrevendo como gente grande. Ah, eu sabia que aquela estagiária que conheci na Secom tinha futuro. Não deu outra. Bingo! Continue arrasando, amiga. Bjs.

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  4. Ahh! Fiquei sem palavras agora. Mas é um estímulo bem grande para que eu deixe as coisas fluirem... Bjao!

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  5. E afinal... o aquecedor solar?
    Não importa não é?
    É só um aqucedor solar...

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  6. Pois é, fiquei sem saber de muitas coisas, inclusive de como funciona esse tal aquecedor solar.

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