A Travessia

Todos os dias ele atravessa o condomínio anunciando: — Pamoonha, tapiooca!!!

Anos e anos que só o ouço daqui da sala sem ao menos tê-lo visto. Será que essa pamonha existe mesmo?, eu pensava.

Até que um dia o vi em sua bicicleta prateada com sua cesta repleta dos quitutes. Provei, aprovei e atestei que era bem melhor que os da padaria “chiq” que compro aqui em Candelária.

Como ele passa diariamente vendendo seus produtos, sempre imaginei que morasse no máximo no bairro vizinho. Curiosa que sou, não ia deixar de perguntar. Então um dia, depois de comprar uma pamonha e uma tapioca, pergunto:

— Onde é que o senhor mora?

— No Vale Dourado!

— Quê? (Mas isso é longe, penso)

—  No Vale Dourado. Zona Norte!

— Caramba! O senhor mora longe! No outro lado da cidade!

O percurso Zona Norte - Zona Sul é reconhecidamente cansativo para quem o faz diariamente de carro ou de ônibus; e embora consciente da dureza que a vida pode ser para a maioria de nós, simplesmente não me ocorreu que o vendedor de pamonhas e tapiocas fizesse tal percurso, enfrentando o caótico trânsito e imprevisível tempo de Natal num veículo de propulsão humana. Naquele momento, não sei por que, essa opção me pareceu absurda demais para ser cogitada. Então, embora hesitante, acabo deixando minha tola dúvida se transformar em precipitadas palavras:

— Mas como o senhor faz para chegar até aqui?

Ele me responde lançando um olhar natural para a bicicleta, como se não quisesse gastar palavras para responder o óbvio. Eu, com um sorriso amarelado, disfarço o deslize tecendo elogios sinceros ao produto e me dou conta de que, na verdade, ainda não sei quão dura pode ser uma travessia.

Comentários

  1. As travessias podem ser duras mas ai esta o exemplo de quem as enfrenta.

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  2. Pois é, Gabi! E cada um carrega o que pode durante esse percurso.

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  3. É, mas as vezes as pessoas não tem escolha né... como esse cara, por exemplo. Life is hard! =/
    Bom fim de semana!

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  4. Tétis,
    Toda travessia requer 24 horas, e tem sempre um leão pra gente colocar de volta à jaula...
    Bom estar-me outra vez aqui, moça simpática de Natal...
    Ò, e aquela prometida visitinha ao doutor? Depois me conte...

    Abraço de mim de Minas,
    Pedro Ramúcio.

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  5. Certeza, Pedro!
    Ah! A visitinha ao médico! hehe
    Já fui e não era nada grave, ainda bem! :P Obrigadinha,mineiro! Abraço

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  6. Uma ponte, dois mundos e uma meta: sobreviver.
    Bjks, moça das bandas de Mosssoró.

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